Thiago Aresta*
Somos o país do futebol. São
daqui alguns dos clubes de futebol mais conhecidos e vitoriosos do mundo. São
nossos alguns dos maiores jogadores de futebol que já surgiram na face da terra
(só não se sabe de onde veio o Edson, um extraterrestre). Craques? Coisa nossa!
Continuamos produzindo aos borbotões, seja no terrão, na várzea ou na grama
esmeralda dos mais modernos centros de treinamento. Deve ser a água... Dribles?
Nós os inventamos e reinventamos a cada quicar da bola. Naturalmente, a nossa
seleção é uma das temidas e respeitadas. Só de Copas do Mundo, cinco canecos na
nossa conta. Por cinco vezes dominamos soberanos esse mundo e, nas vezes em
que, porventura, perdemos, o “vencer o Brasil” acabou tendo mais peso que o
“ganhar a Copa”, seja no Maracanã ou no Parque dos Príncipes. Nossa camisa
amarela remete às riquezas e dourada é nossa cor, ouro é nosso metal, nosso
orgulho futebolístico é inabalável.
A cada quatro anos, a história
teima em questionar e desmentir esses fatos. A cada quatro anos, uma cidade do
mundo vira o Eldorado do futebol brasileiro e tudo isso se desconstrói, numa
competição em especial: os jogos olímpicos... Não somos uma potência olímpica,
é verdade, o que fica bem claro num trocadilho de fácil entendimento:
“Bronzil”. E no futebol, a coisa não é muito diferente. A tradição olímpica do
futebol tupiniquim é de metais bem menos nobres: são cinco medalhas
conquistadas, sendo duas de bronze, em 1996 (Atlanta, EUA) e 2008 (Pequim,
China), às quais se somam três medalhas de prata, em 1984 (Los Angeles, EUA),
1988 (Seul, Coréia do Sul) e 2012 (Londres, Inglaterra). Para um esporte coletivo,
cinco medalhas conquistadas seria um grande feito, uma vez que, na lógica
olímpica, sendo o importante participar, competir, conquistar uma medalha é uma
grande marca, independente de sua cor.
É líquido e certo que a grande
expectativa criada em torno da seleção olímpica de futebol, que advém de alguns
bons jogadores que temos hoje, era a de que, enfim, esse tal ouro olímpico
fosse conquistado e o Brasil pudesse anotar em seus registros “o único título
que falta” em sua história. As condições eram as melhores possíveis: grupo
fácil, chaveamento molezinha, Argentina fora, Espanha e Grã-Bretanha
eliminadas... O que culminou numa final contra o México, que, aliás, é algoz
histórico do Brasil mesmo com seleções principais e parece ter se voltado para a base, com dois títulos mundiais
sub-17 conquistados recentemente, em 2005 e 2011. Expectativa em nível máximo
provoca frustração em intensidade proporcional, em caso de derrota. A euforia,
que leva à debilidade. Debilidade esta que acaba por fazer desconsiderar que a
prata, apesar de vir com um revés, ainda é uma conquista. Uma grande conquista,
por sinal.
Questiona-se a geração que esteve
em Londres, mas às vezes se esquece que ESSA é a base da seleção brasileira que
terá a missão de disputar, em solo nacional, a próxima Copa do Mundo. E, no
meio de tantos questionamentos, é bem comum observar os dois pesos e duas
medidas que são usados para falar de futebol e de outros esportes. Foi muito
comum ver o segundo lugar do Brasil no futebol ser associado a “amargura”,
“vexame” e “vergonha”. É justo? É justo que uma seleção olímpica entre em capo
em busca de vitórias, mas carregando nos ombros o peso de tantas gerações que
também lá foram e trouxeram “só” prata ou bronze? Outra coisa comum foi
utilizar a prata conquistada pela seleção do Bernardinho ou o ouro das meninas
do Zé Roberto para contestar, ou até “dar lição de moral” nos manos pela prata
conquistada. Isso me parece uma falácia, pelos seguintes aspectos: primeiro,
foge totalmente da lógica olímpica, na qual medalha é pra se comemorar e não se
lamentar, é comparar bananas com laranjas (e as duas nascem bem aqui no
Brasil); segundo, é fazer uma análise simplista e cômoda da coisa toda, além de
desmerecer e apequenar todas as três, repito, grandes conquistas do desporto
nacional; terceiro e mais importante, essa comparação favorece amplamente o
futebol, pois ela tira o foco daquilo que deve ser a nossa maior preocupação: o
planejamento. Existe um projeto para o futebol olímpico brasileiro? Existe um
projeto para o futebol brasileiro, de maneira geral?
É consenso que a seleção, pelos
nomes que lá estavam, não apresentou o futebol que todos gostaríamos de ver.
Jogos enfadonhos, resolvidos por lampejos individuais, seja do Damião, do
Oscar, ou até mesmo do tão contestado Rafael. Thiago Silva fez jus ao apelido:
um monstro na zaga, mas sofrendo com a inexperiência de Juan, seu companheiro
de zaga e com a falta de qualidade do volante responsável pelo primeiro
combate, o Sandro, o que também sobrecarregou o Rômulo, excelente no apoio e
competente na marcação. E o Neymar? Enquanto estava na dele, aberto pela
esquerda, revezando com o Marcelo, deu seu recado. Mas vocês repararam que,
após a barração do Hulk e a entrada do Alex Sandro no meio-campo, as subidas
quase letais do defesa esquerdo desapareceram e o Neymar passou a recuar mais,
buscando a bola e armando o jogo? E continuou dando o seu recado, dessa vez
jogando para o time. Dúvidas são muitas. E o Lucas, banco? E o Ganso, não
poderia jogar junto do Oscar?
Quem poderia dirimir tais dúvidas
seria o professor. Mano Menezes, técnico da seleção principal. Mas será que era
ele quem deveria estar ali, no banco da seleção olímpica? Quem comandava a base
da CBF, além da seleção sub-20 era o Ney Franco, hoje técnico do São Paulo
(que, aliás, não vive bom momento). E foi o Ney quem comandou a seleção sub-20
no título sul-americano da categoria, em 2011, o que rendeu vagas para o
Campeonato Mundial e as Olimpíadas seguintes, Londres-2012. Não seria mais
lógico manter o técnico que conquistou a vaga e conhecia essa base para a
disputa dos Jogos? Ou será que é mesmo necessário que o técnico da seleção
principal assuma o barco e se exponha, como se expôs, a uma pressão e um
desgaste desnecessários, que podem até prejudicar a trajetória da seleção, que
se prepara para, em 2014 e 2016 disputar competições importantes em gramados
brasileiros? Isso é para se pensar, só um questionamento, fim de contas, quem
decidia era o Teixeira (Dick Vigarista), que passou o bastão para o Marín
(Muttley). Quem somos nós para questionar o que se passa com a seleção “do
povo”...
Mesmo não podendo, nós o fazemos,
sim. Questionamos, sim, pois é nosso dever ampliarmos nossa visão e sermos
críticos por natureza. Óbvio que esse texto não dá conta de muitos pontos
possíveis, o principal deles, o investimento em formação de atletas. Isso é
assunto para muitas outras oportunidades que, certamente, virão. A preocupação
aqui é discutir futebol, sentar à mesa com os amigos, abrir uma cerveja e
deixar a alienação de fora. Ópio do povo? Não, futebol é combustível do povo!
Futebol mexe com paixões, economias, rivalidades. E é nosso! Afinal de contas,
não somos o “país do futebol”? Claro que somos! Do futebol, do vôlei, do judô,
da vela, da pipa e do pião. Não podemos deixar que tentem nos tirar o que é
nosso. E o futebol é nosso. Não somos tolos em busca de ouro em tudo o que
brilha. Não nos conformamos com um representante que demonstra sua afeição por
medalhas da pior maneira possível... Nosso ouro é conquistado, assim como o
jogo é jogado. E esse jogo, amigos, só acaba quando termina...
Thiago Aresta é apaixonado por futebol, por seu Flamengo e pela sensatez. escreve neste blog sempre que dá na telha, mas vamos dar limites ao nórdico rubro-negro do Gragoatá.
Excelente texto... na canela... e fora do campo, tá faltando umas "entradas duras" para chacoalhar um pouco as mentes...
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