quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Voltou?




Thiago Aresta*

Ele está de volta ao clube que costuma chamar de “casa”, clube que o revelou, formou, projetou, clube que, após ouvir inúmeras vezes o grito de “Bota pra vender!” da torcida, o envolveu numa troca pela chegada do grande Vampeta, mesmo o clube mal sabendo que, ainda que por vias tortuosas, estaria, dessa forma, selando o destino desse jogador. Do Flamengo à Inter de Milão, (fazendo gol logo na estreia, o da vitória, de falta, contra o Real Madri, no Santiago Bernabéu) depois, empréstimos a Parma e Fiorentina e a volta ao clube nerazurro. Esse foi o caminho que o moleque da Vila Cruzeiro percorreu até que recebesse a alcunha que carrega consigo até hoje. Esse moleque é o Adriano Leite Ribeiro, o “Didico”. Mas pode chamar de “Imperador” que ele também atende!
Ser chamado de “Imperador” dá a exata dimensão do que foi o Adriano em sua carreira internacional: um jogador forte, decisivo, que tinha a capacidade de resolver jogos com sua patada de canhota. Um jogador poderoso. E com grande poder, sabemos, vem grande responsabilidade. O que, convenhamos, não foi um forte do Adriano ao longo de sua carreira. O problema do Adriano, ao meu ver, é a falta de limites, o que pode se justificar até pela sua trajetória: num dia, ele é um garoto que está surgindo num grande clube, cercado de expectativa e, como vem de origem humilde, algumas vezes não tem nem o dinheiro para a passagem de ida e volta ao treino; no outro, ele acorda em Milão, numa cidade cosmopolita, um outro mundo, outra cultura e, com o “boom” do mercado, muito mais dinheiro. Uma ascensão meteórica que, sim, pode deslumbrar o mais centrado dos seres humanos. Aliado a isso, está o fato de que, pensem comigo, todo o dinheiro que um jogador de futebol faz no auge de sua carreira, ele não tem tempo de aproveitar da maneira que gostaria, dados os compromissos com o clube e sua condição de atleta.
Gostar da sua comunidade, frequentar o lugar onde foi criado só depõe a favor dele, pois, apesar de ter ganho o mundo, ele não renega suas origens, o lugar de onde veio, é autêntico, não dissimula seus gostos e hábitos; o que pode prejudicar é o que ele faz com toda essa liberdade que diz sentir quando está em sua comunidade, na companhia dos seus. Dizem que seu calcanhar de Aquiles é o álcool, que teria surgido como muleta em razão da solidão e da perda trágica de seu pai (não posso afirmar, nunca parei pra beber uma cerveja com o Impera, uma pena, pois além de conhecer um cara do qual sou fã, renderia ótimo papo que, óbvio, viraria mais um texto, ele fatalmente pagaria a conta). Se isso for um fato, concordo integralmente com a opinião do grande jornalista, escritor e rubro-negro Ruy Castro em entrevista ao programa Redação SporTV de 22-08-2012 (vocês podem ver aqui: http://goo.gl/Vk3DA). Não vou me atrever a resumir a fala do Ruy, pois se trata de um depoimento pessoal sincero, direto, chocante e que faz pensar, mas, o que fica dela é: quem tem uma condição crônica, uma doença, necessita de tratamento, ajuda.
Ajuda foi o que o Adriano mais teve ao longo de toda a sua carreira. Na própria Internazionale, dizem, era comum que o Adriano se referisse ao Massimo Moratti, presidente do clube italiano, como “pai”. A partir daí, começa a sequência interminável de “última chance da carreira” que o Imperador teria, primeiro com um empréstimo de seis meses ao São Paulo (2008), a volta à Inter, de onde se desligou após um “sumiço” e teve a sua primeira volta ao Flamengo, em 2009, quando, mesmo longe da condição física ideal, conduziu o rubro-negro ao hexacampeonato brasileiro naquele ano, jogando um só turno e, ainda assim, sendo artilheiro. No ano seguinte, a volta à Itália, para jogar na Roma: uma passagem de oito jogos e muitas lesões, que terminou com mais uma rescisão de contrato. Todos esperavam que sua redenção viesse no Corinthians, clube que se mostrou disposto a acolhê-lo, mesmo após a recusa do Flamengo, pois, na época, ele não se encaixava no “pojeto” do “pofexô” que treinava o clube carioca. Só que uma grave lesão no tendão de Aquiles atrapalhou todo o planejamento. Fez poucas partidas no Timão, fez um gol importante na campanha do título brasileiro de 2011, mas saiu de lá demitido, por justa causa, devido a 67 faltas em sessões de fisioterapia e treinos, segundo o clube paulista (o que acho um certo exagero, pois, quem falta a tantas sessões assim, ainda mais se tratando de uma lesão grave e numa pessoa tão grande e pesada como o Adriano, não conseguiria nem andar, mas não posso contestar os dados do clube).
O benefício do eterno perdão é raro e acontece para poucos. Um desses poucos é o Adriano, o “Imperador”: ele acaba de fechar contrato de produtividade com o Flamengo, após passar por nova cirurgia no tendão de Aquiles e iniciar a recuperação no clube. Muito positivo o Flamengo ter posto seu estafe e instalações à disposição do Adriano, mostra um pouco de compromisso do clube com seus ídolos, o que, convenhamos, não tem sido o forte dessa gestão. E o que esperar do Adriano? Bem, se ele ainda se considera um jogador de futebol, ele tem de agradecer ao Corinthians, que apostou nele quando nem o próprio Flamengo quis arriscar. E essa recusa do Flamengo parece ter doído no Imperador, que se mostra motivado e determinado a provar que pode, sim, dar a volta por cima e voltar a jogar futebol, se não em grande nível, pelo menos regularmente, num primeiro momento. O Adriano tem só trinta anos, meus amigos, seria muito triste para nós rubro-negros e pra quem gosta de futebol, no geral, ver um talento desses ser jogado pela janela, ser desperdiçado assim, a troco de nada. E ele próprio parece ter tomado consciência disso, pois é nítida a sua vontade de dar certo dessa vez. Não esperemos o Adriano de 2009, seria injusto, mas, se ele mostrar perseverança para chegar perto disso, já será um grande reforço. E convenhamos: Adriano “Imperador”, só com o nome já põe muita gente pra tremer e, com só uma perna, ainda bota muito centroavante dessa primeira divisão no bolso! Eu falo porque eu já vi, num Maracanã lotado, ele chamar a responsa, fazer três gols e virar um jogo praticamente perdido. Quem estava lá no dia 31-01-2010 sabe exatamente do que estou falando. Adriano é um jogador de cojones, coisa rara nos dias de hoje. E repito, reaças, no Flamengo ele joga, para desespero de vocês.
Agora, vamos falar de hipóteses, torcedor também gosta de sonhar: como o Adriano poderia se encaixar nesse Flamengo, que parece estar muito certinho e se acertando mais a cada jogo? A primeira opção seria na dele mesmo, centroavante, centralizado, com o Love passando a jogar pelos lados do campo, o que não seria difícil, pois o Love, mesmo sendo o “nove” do time de hoje, sai bastante para buscar o jogo; e entrosamento entre os dois não é problema, o “Império do Amor” já deu certo. No entanto, permitam-me um devaneio: o Adriano usa a “10”, correto? Então, ele poderia ser opção para resolver o problema do Flamengo por ali também. Não sei se vocês lembram, mas, no primeiro ano de José Mourinho na Inter de Milão, o time, em algumas ocasiões, foi armado em função do Imperador. Explico: Adriano atuou como um autêntico enganche, centralizado, dando passes para o Ibrahimovic, centroavante, e com Zanetti (monstro), Mancini, Stankovic e Maicon fazendo as jogadas pelos lados do campo. Além disso, a força física do Imperador permitia a ele girar sobre a marcação adversária e utilizar sua grande arma, o potente chute com a perna esquerda, de média e longa distância. Bem só um delírio que depende e muito da condição física do Adriano. Mas fica o alerta: ele não é só um atacante trombador, tem muito mais recursos que isso.
E a volta do Adriano, apesar de ser considerada por muitos como “mais do mesmo”, é boa para todo mundo: para ele próprio, que tem mais uma chance de mostrar que pode voltar a ser o Imperador; para o Flamengo, que ganha com a volta de um ícone; para o futebol, que, apesar dos pesares, ainda reverencia sua figura como a de um grande talento; e, por que não, dos nossos adversários que, além de terem mais um motivo para ir ao estádio, podem, finalmente, desengavetar todas as piadas prontas e montagens malfeitas que já estavam mofando, para o desespero de nossos humoristas de plantão, que perderiam sua verve de comediante caso o Imperador não voltasse... Todos sabemos que esse retorno não depende exclusivamente dele, apoio é necessário, seja da família ou da própria instituição Flamengo, mas ele tem de fazer sacrifícios para chegar lá: mudar hábitos, ter horários e fechar a boca, tanto para o que come e bebe, quanto para o que fala. No sapatinho, Didico... O que fica é a torcida pela recuperação não só do Imperador, o jogador de futebol, mas do Adriano Leite Ribeiro, o homem, filho, pai, ídolo e que é tido como exemplo por muitos garotos que sonham com um futuro semelhante.
E, Didico, se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação Rubro-Negra, diga ao povo que, finalmente, está de volta! E o faça como você sabe e está acostumado: adversários tremendo, redes balançando e a magnética explodindo!

*Thiago Aresta fez curso por correspondência de endocrinologia e sempre assina seus texto com SNR, que este editor sempre esquece de inserir.

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